Crónicas de Angola (III): Igrejas e Educação

Igrejas incríveis; a sério.
Com pessoas que cá para mim são santas, ou heroínas, ou ambas as coisas.

Nas missas/celebrações sente-se que está ali muito do melhor, nas pessoas de
Angola.
Pressentir os seus esforços invisíveis, sentir a sua determinação e alegria -
no meio desta confusão de injustiças - cria um clima que eu não aguento; choro,
mesmo (ando a chegar à conclusão que, em geral, os "estrangeiros" que aqui
chegam quanto mais choram menos adoecem, e vice-versa...).

E há quem sobressaia deste conjunto de memórias-impressões.
A Irmã Rosa, por exemplo.
Tem sessenta e poucos anos de vida, quarenta de Angola, olhos azuis cheios de
luz; é espanhola de Salamanca e está à frente de uma missão, no Huambo.
Um internato e uma grande escola, da pré ao secundário, devolvidos à Igreja
católica.
Três mil alunos no espaço para metade, mas num oásis: de calma, ordem, plantas,
algum material, muito respeito, recuperação e melhoramento
constantes das instalações e condições de trabalho, atenção a cada pessoa.

Uma grande lição de vida.

A Igreja Católica e algumas protestantes são uma luz neste país. E têm todas as
autoridades para falar... a de quem está com as pessoas onde elas estão, até
que elas também estejam; a de quem trabalha o que for preciso para a
sobrevivência, educação e saúde de TODOS - até de quem agora comete
injustiças...

Talvez o que mais me impressionou foi a delicadeza, atenção e profundo respeito
com que vi a Irmã Rosa tratar os Professores.
As Igrejas têm a orientação - direcção das Escolas; mas o ensino é público e os
professores são colocados pelo MinEd (Ministério da Educação).
Aqui, a luta pelo direito das Crianças a um bom ensino e a uma boa educação
passa por muita coisa: recusar professores sem qualidade pedagógica ou sem o
nível mínimo de conhecimentos, pressionar para que eles recebam salário,
negociar a nomeação do vice-director/a, organizar formação contínua e em
exercício, negociar com as famílias e as administrações para conseguir
carteiras (em vez das latas e pedras das outras escolas), lutar pela continuação das cantinas escolares, furar por todos os lados para ter mais materiais,... e não só não desautorizar, mas valorizar e tratar com deferência os professores!
É impressionante o que as crianças ganham com tudo isto.

E a vida destas crianças, fora da escola?
E as outras crianças, as que não estão nas escolas das Igrejas, e às vezes nem sequer nas só do Estado?

Estão na rua, carregam água para casa ou para ganhar uns trocos -
como a outra menina que vi no Kuito, também devia ter quatro ou cinco anos: com
um bébé às costas E a carregar um jerrycan com água.

Ou como os meninos que no domingo de manhã me esclareceram o "mistério" da
miúda da primeira crónica...

Ia eu a passar mais ou menos no mesmo sítio quando vejo quatro rapazinhos: dois
a carregarem um grande cesto de plástico; um com um saco na mão e um balde à
cabeça; e o outro a bambolear um balde maior. Carregando com lixo, todos eles.
Em especial com garrafas e latas vazias.

Quando perguntei para onde iam, disseram-me "Para o contentor", apontando mais
para cima (onde há um desses mega-caixotes de lixo).

Quando perguntei quem os mandavam, disseram "Uma tia, ali", apontando para uma
"lanchonete" mais abaixo, do outro lado da rua.

Perguntei se queriam pão, e disseram que sim. Disse-lhes para esperarem, e ia a
caminho do posto de venda do pão quando pensei "que se lixe!!" (também em teu
nome) e fui ao snack-pastelaria comprar um croissant e uma bola de Berlim para cada um (a conta foi de novecentos escudos... não, não é para contribuires. É só para sublinhar como estas são coisas de um outro mundo; do mundo paralelo à Angola destas crianças).

Voltei com a caixa; fi-los prometer primeiro que não iam lutar por causa dos bolos e que seria um de cada, para cada um deles.

Quando o mais velho - 10 anos? 12? - abriu solenemente a caixa e espreitou o
presente, virou-se logo para a parede, de costas para o mundo; e com um olhar
de adulto acossado espreitou furtivamente para cima, para baixo, toda a rua.
Para ver se ninguém
os via. Para se certificar que ninguém lhes tirava o tesouro.
Fechou a caixa e desandaram, para algum lugar mais sossegado para comer.
Espero.

...
Há pelo menos uma coisa que podemos fazer!
Uma série de Organizações da Sociedade Civil lançaram uma campanha a favor da
educação para todas as crianças.
Vamos divulgar?
Campanha Global para a Educação

Rosário Advirta

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